These New Puritans lançam álbum que mistura o clássico e o moderno em “Crooked Wing”

These New Puritans lançam álbum que mistura o clássico e o moderno em “Crooked Wing”

O grupo britânico These New Puritans segue desafiando convenções e ampliando os limites da música alternativa com o lançamento de seu quinto álbum de estúdio, Crooked Wing. Com uma trajetória marcada por experimentações sonoras, a banda retorna às atmosferas neoclássicas exploradas em Field of Reeds (2013), após flertar com o art pop berlinense em Inside the Rose (2019). Produzido novamente com o apoio de Graham Sutton — ex-integrante da banda Bark Psychosis e presença constante no universo dos New Puritans —, o novo projeto mergulha em arranjos orquestrais sofisticados que remetem tanto a Benjamin Britten quanto a Steve Reich, evidenciando o compromisso da banda com uma estética própria, moderna e desprovida de nostalgia.

Os instrumentos utilizados — sinos, piano, órgão de tubos, glockenspiel e metais — parecem pertencer a outras eras, mas são conduzidos com uma visão atual. O álbum é uma espécie de colapso temporal, onde o passado e o presente se fundem para criar algo atemporal. Essa fusão também se reflete na escolha dos colaboradores. Entre os convidados estão Caroline Polachek, que canta ao lado de Jack Barnett na faixa principal “Industrial Love Song”, e o ator Alexander Skarsgård, que participa do videoclipe de “A Season in Hell”.

No entanto, a presença de celebridades não se sobrepõe à proposta artística do grupo. O disco também conta com a soprano canadense Patricia Auchterlonie, o experiente contrabaixista Chris Laurence e Alex Miller, jovem integrante de 10 anos do coral Southend Boys Choir. A voz de Miller, simultaneamente frágil e poderosa, abre e encerra o álbum, acompanhada por um órgão gravado na igreja de St Mary’s and All Saints, em Stambridge — o mesmo tocado anos atrás pelo avô dos irmãos Barnett.

Em entrevista à Vogue, Skarsgård brincou sobre a colaboração: “Ultimamente, venho sentindo vontade de fazer algo leve e divertido, que toda a família possa assistir.” Ainda que dita em tom de piada, a fala contrasta com a densidade sonora e lírica de Crooked Wing. Embora não seja um álbum sombrio ou inacessível, ele carrega um peso poético e filosófico que o afasta da leveza pop. As composições dos Barnetts são belas sem serem necessariamente agradáveis — mais próximas da imponência de uma costa ventosa ou de um iceberg do que de melodias açucaradas.

Faixas como “I’m Already Here” apresentam um lirismo elevado, com vozes soprano e toques suaves de flugelhorn e trompa, irradiando uma espiritualidade serena. Em “Bells”, destaca-se o domínio da técnica minimalista: pianos e sinos formam pulsos que se entrelaçam, mudando sutilmente o rumo da faixa até culminar em uma entrada grandiosa da voz de Jack sobre um arranjo de glockenspiel e vibrafone.

Mas a beleza, para os New Puritans, deve coexistir com a feiura e a violência. “Wild Fields (I Don’t Want To)” traz um clima de queda e penitência, com percussão pesada e baixos ameaçadores. Já “A Season in Hell” ecoa a intensidade de “We Want War”, com melodia giratória ao som de órgão, batidas cortantes de caixa e vocais que evocam brutalidade medieval. Jack compara a música à série de gravuras Prisões Imaginárias, do arquiteto italiano Piranesi, que retratam o sofrimento humano de forma grandiosa e fantástica — uma visão do passado que ressoa com desconforto na atualidade.

Em termos vocais, Jack Barnett nunca esteve tão expressivo. Antes visto como um vocalista contido, hoje sua voz apresenta nuances mais suaves e profundas, ainda que mantenha um toque cru e humano ao alcançar notas altas. As letras do álbum são carregadas de simbolismos e referências à natureza, com menções a rios, oceanos, câmaras subterrâneas e campos nevados. Em outros momentos, surgem imagens religiosas, como o paraíso deserto de “I’m Already Here” ou o “anjo de asas ensanguentadas” da faixa-título. Mesmo lidas isoladamente, as letras mantêm um ar enigmático, como códigos à espera de decifração.

Crooked Wing é, assim, mais uma prova de que These New Puritans seguem fiéis à sua busca por autenticidade artística, entre o clássico e o contemporâneo, entre o sagrado e o brutal — desafiando os ouvintes a mergulharem em um universo sonoro que exige atenção, mas recompensa com profundidade e beleza singular.